Esquina de alguma viela do Rio de Janeiro, um sambinha tocando ao fundo, uma roupa alegre e leve feito chuva de verão no fim do dia, um batom estou-nem-aí: minha menina do Rio, que delícia te encontrar!
Não sei se deveria dizer isso assim, logo de cara, mas já ao te conhecer percebi que você não era de se preocupar muito com roupas e, como eu, sempre veste as mesmas coisas, o mesmo brinco pequeno e delicado, o mesmo coração gigante, como aquela montanha de bagunça feita de trapos que você junta em um canto do seu quarto antes de sair de casa. Existe coisa mais linda que um coração feito de trapos? Um coração vivido, com alegrias e traumas que sobraram depois de amar, remendado de coisas que teriam tudo para ser e não foram.
Sem perguntar se podia, eu me apaixonei ao esbarrar em você, enquanto bebia uma cerveja naqueles copos de bar, em um boteco daqueles em que a gente nunca imagina que um dia vai entrar para beber algo e comer o pastel que eles dizem ser o melhor da casa. Eu sei que se apaixonar sem nenhum critério além do que manda o olhar e o pulsar do peito é coisa de gente louca, mas, graças a Deus, sei também que estou em plena harmonia das minhas funções, e sem dúvida não me importo em parecer insano, maluco, pirado feito cata-vento, desde que eu nunca perca a capacidade de deixar meu coração agir feito um completo idiota.
Quando vejo você vir caminhando, do jeitinho que sempre lembro, deixo o vento furtar todos os meus problemas. Não seria justo beijar você com algumas dúvidas na cabeça, não seria meu melhor beijo. Beijar você é um toque que faz contas na intimidade, que envolve carinho e uma canção da qual já compramos todos os direitos emocionais. Cantar pensando em você é uma brincadeira gostosa demais para não fazer com toda a verdade que há. Como alguém consegue amar sem cantar o que sente para quem diz que tanto ama? Cantar para quem se ama, sem desculpinhas de afinação e ritmo, é um presente sem embrulho, é deixar o interior gritar: “Ei, esse sou eu, eu te amo, me deixa cantar, me deixa vadiar e ser feliz declamando versos que não escrevi, mas traduzem tanto o que eu quero dizer.” E eu canto e não perco essa parcela linda do amor!
Minha menina do Rio, falo sobre você comigo mesmo todas as manhãs. E quando você, no fim de tarde, se avizinha de mansinho no meu colo, tenho vontade de sumir. Sim, porque, quando estou muito feliz, fico com medo de tudo acabar sem aviso, de ser breve demais para eu não saber lidar com sua falta, com receio de nunca mais sentir essa coisa que me dá tanta alegria e vontade de viver. Quero esquecer que amanhã preciso viajar de novo, que amanhã de beijo só haverá distância. Por favor, a gente não pode se esquecer, como nos esquecemos de tirar a roupa para dormir quando chegamos cansados, mortos, do trabalho.
Então, antes de eu ir, dança um samba comigo? Mesmo eu não tendo destreza nem para lavar um talher sem me molhar por inteiro, seria tão gostoso aprender a dançar com você. Me ensina? É dois pra lá, dois pra cá, feito meu coração quando te vê me buscando no aeroporto? Eu não sei dançar, mas me deixa tentar. A tia Eulália ficaria muito feliz. Que delícia pegar na sua cintura enquanto a gente desliza e eu posso te lançar aquele olhar safado e doce, igual a um encontro de almas, sei lá, essas coisas que a gente faz quando ama, rodopia e dança uma música que fala tanto sobre nós.
Menina, vou demorar um pouco para voltar, mas reserve seus próximos meses para mim, para beber uma cerveja comigo na mureta da Urca? A gente pode deixar uma plaquinha com nosso nome por lá até eu voltar. Será que eles guardam um pedacinho da mureta só para nós? Sei lá, a gente conta para eles que a gente se ama... deve ser o suficiente. É, eu não sei quando vou ver você de novo, nem quando meu coração vai pular igual carnaval ao seu lado. Todo voo é uma nova despedida, mas sempre vou me lembrar do dia em que você me perguntou o que sinto por você. Não surgiram palavras, no máximo alguma onomatopeia composta por suspiro e riso. Tentar explicar o que sentimos, quando nós mesmos nem sabemos, é algo muito grande para ter alguma resposta coerente.
Agora eu preciso ir, menina! Meu avião chegou. Poltrona 17B. Odeio sentar no meio, odeio turbulência, odeio lanchinho de voo e odeio ficar longe de você. Coisa minha. Antes de ir, só me deixa explicar uma coisinha... Sabe por que tanto chamo você de menina? Porque de mulher já basta seu olhar, seu beijo e o tamanho da minha saudade. Então deixemos essa doçura e essa leveza para o seu nome, para quando eu quiser gritar para você antes de partir para a próxima viagem.
Um último beijo, minha menina do Rio. Já estou com saudades!