“Estamos vivendo na era do perfeccionismo, e a perfeição é uma ideia que mata.”
– Will Storr
O corpo perfeito, o relacionamento perfeito, o emprego perfeito, a viagem perfeita: não é isso que fomos condicionados a buscar? Não há nada de errado em ter ideais e se esforçar para alcançar metas; admiramos pessoas e valores que representam o que queremos para nós, que nos inspiram a sair da zona de conforto e buscar aquilo que nos deixará realizados. O problema é quando enxergamos a vida perfeita como a única aceitável e digna de respeito.
No livro A coragem de ser imperfeito, Brené Brown fala justamente sobre o perigo de acharmos que só seremos felizes ou aceitos se atingirmos a perfeição. Todo mundo quer se sentir pertencente – inclusive era isso o que estava por trás da história do bilhete na escola, que me motivou a escrever este livro –, mas condicionar nosso valor a algo inalcançável é uma receita para a infelicidade.
Quando só o perfeito basta e nada além disso serve, limitamos muito nossa vida e nossas relações. Pense: você tem algum amigo que seja perfeito em tudo? Sobre o que vocês conversam? A perfeição é estéril: dela não se cria nada, ela não se conecta. Por isso, quando projetamos uma imagem de perfeição, de que já temos tudo em ordem e por isso não precisamos de nada nem de ninguém, não sobra muito espaço na nossa vida para o outro. No máximo, ficamos num pedestal para ter admiradores. Mas e aquele olho no olho na mesa do bar? E o tempo esparramados no sofá, com roupas confortáveis, conversas profundas, talvez algumas lágrimas e depois um abraço? E o humor? Ele não existe na perfeição, porque a piada e a brincadeira precisam de uma brecha para se inserir, e a perfeição é uma superfície sem poros.
Fingir perfeição é vestir uma máscara que nos distancia do restante da humanidade. E essa máscara pode ser difícil de remover, porque ela parece nos proteger da dor da rejeição, trazer admiração e ganhos materiais, mas há um preço a se pagar por isso: uma barreira para a conexão. Será que vale a pena?
Um comentário sobre as redes sociais
“Preocupa-te com o julgamento alheio e serás sempre prisioneiro”
– Lao-Tsé
Selfie (sem tradução no Brasil), o jornalista inglês Will Storr faz uma crítica pesada ao crescimento do narcisismo no mundo ocidental, analisando como as redes sociais exacerbaram esse “culto ao ego”, fazendo as pessoas se desesperarem por curtidas, comentários e seguidores. Sou muito ativo nas redes – é parte de quem eu sou pessoal e profissionalmente –, então minha visão sobre o assunto é menos radical. No entanto, saber que elas têm afetado as pessoas de forma negativa infelizmente não me surpreende – e me preocupa muito.
As redes sociais têm benefícios belíssimos, como o de conectar pessoas distantes, permitir compartilhar momentos de alegria ou superação com amigos e familiares, trazer novos amores e amizades ao seu círculo social, mas também são um prato cheio que alimenta a insegurança. No momento em que deixamos de aproveitar a conexão que essas tecnologias promovem e nos forçamos a ser uma vitrine para o mundo, como se cada foto precisasse ter um retorno emocional – afetando diretamente nossa autoestima caso nossas expectativas não sejam atingidas –, as redes começam a prejudicar nosso bem-estar.
Infelizmente, muitos relacionam sua popularidade virtual a seu valor na vida real, como se o número de seguidores fosse um reflexo de sua importância para o mundo ou como se a quantidade de curtidas fosse um verdadeiro termômetro do seu bem-estar naquele momento da vida. Nessa corrida desenfreada por corações nas fotos, comentários que elevam a autoestima, respostas instantâneas e incontáveis seguidores – muitas vezes comprados, diga-se de passagem –, cria-se uma vida emocional paralela. O que era para ser uma extensão da realidade, um compartilhamento com quem realmente importa, se tornou uma existência paralela, uma fuga. E o que era para ser algo divertido e honesto se tornou um enorme quadro comparativo entre fragmentos de vida escolhidos a dedo.
Check-in para mostrar onde estamos, fotos na praia para mostrar nosso corpo, repetidas selfies e fotos em frente ao espelho com roupas novas... Qual é o problema disso? A princípio, nenhum. As redes sociais são um ótimo espaço para compartilharmos nosso universo, nossas vivências, para nos conectarmos com quem gostamos e, claro, para postarmos o que bem desejarmos. Temos o direito de publicar nossas conquistas e alegrias, sem dúvida. O problema é quando usamos essa métrica para nos avaliarmos em comparação com os outros e para obter aprovação.
Selecionar os momentos mais compartilháveis e criar uma imagem de perfeição, de um estilo de vida que só existe na foto, é muito comum. Essa vida editada, vendida em várias redes sociais, faz com que muitos de nós criemos expectativas irreais. Dessa forma, começamos a nos fazer cobranças injustas, como se aquele fosse o ideal a ser alcançado e nossa vida não fosse tão legal como a que muitos demonstram ter, sem nem nos questionarmos se aquelas postagens realmente condizem com o que somos ou se estão de acordo com a nossa realidade. Cria-se assim um efeito dominó, pois definimos uma espécie de valor de mercado impossível de ser sustentado pela nossa sanidade e começamos a ter um olhar mais crítico em relação às postagens dos outros, analisando os detalhes e julgando sempre mais, em eterna comparação. É evidente que isso não nos faz bem, mas qual é a solução?
Não acho que o tal “detox digital” – simplesmente parar de usar certas plataformas – seja o caminho, porque não trata a raiz do problema. O verdadeiro culpado não são as redes sociais: é a insegurança, o perfeccionismo e a busca por aprovação externa. Por isso, acredito que a solução seja a reflexão constante, para que não sejamos dominados pelas sensações que podem surgir nas nossas interações nesses meios.
Vale pensar:
- Por que dou tanta importância a um comentário negativo, mesmo quando quase todos os outros são positivos?
- O que pode estar por trás daquela sensação de que todos estão vivendo e fazendo coisas incríveis, menos eu?
- Porque fico tão triste quando não tenho o número de curtidas que julgo merecer?
- Será que vale a pena seguir quem faz com que eu me sinta mal sobre mim mesmo?
- Por que sujeito minha autoestima à aprovação e à admiração de desconhecidos?
- Será que postar essa crítica ou esse comentário negativo vai me ajudar a alcançar meu objetivo?
- Como eu edito minha vida para fazer bonito nas redes sociais?
Talvez fique mais fácil viver nesse universo quando entendermos que, tal como a televisão e o cinema, as redes sociais só revelam um fragmento incompleto da realidade. Ou podemos seguir o conselho de Will Storr: “A vida é dura o bastante sem que a gente se martirize pornão ser o Gandhi. Então pare de tentar ser essa versão perfeita de si mesmo. Você é quem você é.”